“Olhar tem a vantagem de ser móvel, o que não é o caso, por exemplo, de ponto de vista. O olhar é ora abrangente, ora incisivo. O olhar é ora cognitivo e, no limite, definidor, ora é emotivo e passional. O olho que perscruta e quer saber objetivamente das coisas pode ser também o olho que ri ou chora, ama ou detesta, admira ou despreza. Quem diz olhar diz, implicitamente, tanto inteligência quanto sentimento”
Alfredo Bosi (2000, p.10)
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O olhar... Vou falar do meu olhar então, do meu olhar inicial, aquele que se encontrava tímido, mas sabia que não poderia vacilar, até podia, mas não queria.
O olhar de quem sonhou ser professora desde pequetita porque achava lindo demais ensinar coisas novas para pessoas que ainda não conheciam as novas coisas, e depois essas mesmas coisas ficariam velhas, ou não, dependendo do olhar.
Esse mesmo olhar que vislumbrou seu primeiro dia em uma sala de aula, mas que foi se movimentando a partir de cada experiência vivida, olhar que inicialmente fora singular, até descobrir que todo olhar poderia ser plural...
Aquele olhar ali estava, entrando pela primeira vez para tutoriar, estava inseguro, claro que estava, como não poderia estar, seria sua primeira vez ali em meio a um novo mundo desconhecido, mas pronto a ser desbravado. E o que deslumbrou esse olhar não foi a parte física do pólo, foram os corações que com ele se depararam. Corações que têm olhares. Foram as trocas de olhares. Tutor e alunos, quem estava mais excitado com a primeira aula, com mais expectativa? A verdade é que temos grande chance de nunca descobrirmos isso.
Quem espera o que e de quem naquele momento? Como espera? Como recebe?
Então era minha primeira aula como tutora. A disciplina? Teoria da Literatura. Turma inicial, jovens repletos de sonhos e desejos, assim como eu, a tutora.
Nada de quebrar os sonhos daqueles alunos, uma voz me dizia, enquanto a outra dizia que alguns seriam quebrados, até desmembrados, porque a disciplina e a tutora teriam suas exigências, bem como toda responsabilidade ao nos destinarmos a fazermos algo. Ali, eu sabia, seria o início do sonho, mas também da realidade, da difícil realidade de lidar com múltiplas coisas e acontecimentos. A realidade de lidar com uma nova modalidade de ensino, de saber que tanto aqueles alunos como nós também viemos de uma educação quase restrita, de muitas lacunas, de um ensino que não prima pela qualidade de forma geral e que não alcança todos os lugares do planeta, mas vai dançando conforme a música, digo, os governantes.
A dura realidade de compreender que são alunos que muitas vezes não têm condições financeiras mínimas, ou tempo o suficiente para se dedicarem como deviam aos seus estudos, ou mesmo aqueles que acreditam que um curso a distância é para quem não tem tempo.
A primeira quebra do sonho: este curso é para quem tem tempo, diz a tutora. Tempo e muita força de vontade, pois como todos nós, estamos dentro de uma sociedade atualmente SEM TEMPO. Qual a fórmula para contorná-lo? Vou decepcioná-los, não a tenho, só sei que a gente vai roubando um tempinho de onde não temos tempo dali, outro daqui, e o tempo vai se construindo assim como o pensamento, o olhar, o conhecimento...
As aulas foram acontecendo, a gente faz o plano de aula, planeja, mas tudo foge ao plano, e eu adoro isso, para as mudanças novos olhares, que pra mim significa não menos que NOVAS POSSIBILIDADES.
E os olhares? Ah, os olhares... Os olhares primeiro foram se estranhando, depois se conhecendo, depois se identificando, depois compartilhando, depois se afirmando e depois, depois, depois...
Alunos são como andorinhas que voam em bando buscando conhecimento. Eles acham que somos seus horizontes, até descobrirem que somos apenas suportes, ponte, mediadores do conhecimento, de preferência e sempre com a afetividade. Até descobrirem que isso tudo é só um ensaio, e que um dia vão voar sozinhos, já com seus olhares definidos, ou indefinidos, seguros ou não seguros, mas que vão também se construindo ao longo do conhecimento...
A turma seguiu bem, estreitamos até os laços. Lembro-me que um disse, professora eu não gosto de ler não, e eu perguntei, então porque escolheu esse curso, em especial? Foi quando ele respondeu que não escolheu, mas que se equivocou ao colocar o código do curso, ele queria física, química, algo assim das exatas. Foi meu primeiro back, foi meu primeiro olhar de “e agora, o que dizer?”. Eu disse, se você veio para cá, é que seu destino já estava sendo traçado e você nem sabia.
Mas isso era coisa pra se dizer? Não sei, só sei que disse. Mas o que eu sei mesmo é que eu me empenhei, ele se empenhou mais ainda, a turma foi tomando sua forma, seus traços, sua identidade, hoje, a notícia que tenho dessa turma de Aracoiaba (sempre peço notícias aos outros tutores) é de que é uma turma muito boa, e esse aluno, em especial, é um dos melhores da turma. E ele queria algo das exatas, menos Letras, vejam só!
E essa foi minha primeira experiência de tutoria. Imaginei tudo com um olhar, comecei com outro olhar, estou aqui com mais outro e pretendo multiplicá-los, como diz o cantor, gente, eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela VELHA opinião formada sobre tudo...
O que quero é cruzar olhares entre Educação, Literatura e Arte.
Chamo-me Marcia, sou formada em Letras e mestranda em literatura comparada pela UFC, sou mulher, professora, tutora, mãe, amiga, aluna deste curso, dona de casa e quando não tenho tempo, escrevo e deliro com a poesia, e esse é o melhor tempo, o do não-tempo.
Marcia,
ResponderExcluirAdorei seu texto! a imagem, o tom poético.Mas vamos aos fatos: ao contráriod e você jamais sonhei em ser professora, penas aconteceu de ser. Não pense que isso é um daqueles discurso de quem está na profissão errada, estou no lugar certo, onde, ainda que não tenha sonhado, escolhi. É incrivel! E gosto de ver as mudanças no meu aluno, ver que consegui ajudar em seu aprendizado, ainda que pouco e, quando eles dizem 'obrigado' todo o estresse que essa profissão te proporciona paresse anular-se. E quando eles dizem "eu nao gostava de ler,mas depois da 'senhora' estou vendo a literatura de outra forma, até gosto". Você sente que conseguiu fazer alguma mudança.
abraço,
marilde alves